quarta-feira, agosto 17, 2005

da leveza, do ar puro e dos ultimos dias perfeitos

Éramos avidos compradores, desde espaços de tempo nos dias usuais até longas ruas que achavamos interessantes. Como nao havia leilão, sempre pagavamos a vista montanhas verdes, cadeiras de madeira fosca, por do sol às seis. A divisão de bens viria depois, eramos bons na arte de ceder até mesmo pedaços de areia e mar que compramos na semana passada. Coisa que voce nunca esqueceu foi que o sorriso era gratuito e partia ora de mim, ora de voce.

Os dias chatos tambem constavam no nosso contracheque no final do mês favoritado: julho. A tarefa era reforma-los em horas que lembravam o nosso nascimento, nunca a nossa morte. Posto que éramos imortais nos dias pares e viveriamos dias incontaveis nos dias impares. Esse juramento permanecia incolume em cada linha dos nossos textos enquanto sobriamente os poemas saiam, já as prosas demoradas demais surgiam após quatro calices de vinho tinto e Vinicius na vitrola.

Os anos desfilavam e mesmo assim não lidavamos bem com dinheiro, mas com a força do pensamento. Algumas cedulas eram de alguma serventia na volta para casa quando os pés doiam, nos jantares programados com vinte minutos de atraso e principalmente após o nascimento da pequena dona das nossas vidas.

Os jogos mais bobos nos eram companhia após o primeiro ressonar da nossa filha. Não carregavamos aliança em dedo algum, a prova maior residia na rotina que recaia e o charme de quebra-la. De fato era só olhar para seu pé roseado e nos ver ali. Eu a unha, voce uma pequena carne a me cobrir.

A nossa casa foi pintada após duas semanas, os jornais no chão tinham historias absurdas e mesmo assim eu era o primeiro achar o caderno de música. Naqueles dias, a dois anos atrás, tivemos uma pequeno impasse sobre a cor; optei pelo rosa claro, voce queria um verdinho que ao meu ver não cabia no quarto da pequena. Bom, era a minha vez de ceder e assim foi. Quando a tinta chegou a primeira coisa a fazer foi tingir a sua barriga de três meses de verde. "Para tudo paga-se um preço" disse eu rindo às alturas.

Havia uma leveza jamais incompreendida pelos outros, a vizinhança desconfiava, os amigos docemente nos invejavam. Não havia perfeição entre nós, nem regras estreitas demais. Nossas brigas apareciam em silêncio e morriam não apenas com flores e desculpas, era a cumplicidade quem de fato nos salvava. Somente ela nos revelou que viver é constatar que sendo bom ou mal tudo haverá de ir embora, inclusive nós e o jarro da cozinha feito por mim. Portanto acima de brigas e debaixo dos cobertores, nada nos restava a não ser belos, puros e docemente humanos, como um exercicio que nos imortalizava a cada encostar no travesseiro.