Há bem menos de uma semana vou ver dois mil e três ser transformado em passado recente. Com certeza, daria todo meu ouro para não dizer adeus aos tempos que se foram. Eu talvez desse o céu a quem me cochichasse algum meio de não ver os dias serem levados pela chuva ou deixados pra trás como essas árvores na beira da estrada... quero parar esse tempo louco por um instante ou fechar meus olhos e esquecer que o anoitecer dessa quarta não sera nada parecido com o próximo, mesmo que eu use mais uma vez as meias sujas.
Não há saída desse tempo acelerado, e que saída haveria para todos nós? Acho que nosso maior castigo é ter que aceitar os dias irem embora sem se despedir, justo quando fazemos uma grande festa pra ele. Ficamos velhos a cada segundo, alguém que voce viu passando na rua pode ter se casado e mudado de rotina, outro verão já chegou e nossa mente não lembra de alguns detalhes das últimas férias. Você não sente isso? Você não sente nossos dias correrem tão rápido como o vento que avisa o temporal por vir?. É o livrinho de ciências martelando minha mente: "os seres vivos nascem, crescem, se reproduzem e morrem".
No ultimo dia do ano, rituais de passagem tendem a se multiplicar. As velhas manias de fazer promessas loucas, de pular ondas a beira mar e usar roupas brancas são pequenas superstições criadas só pra alimentar desejos que somente nossas mãos podem cumprir. Como se lentilhas da sorte nos trouxesse mais paz ou uma amante parisiense sem defeitos. Entre tantos motivos, acredito que a celebração do ano-novo confirma que todos nós usamos os festejos como mascara para o tempo que tão logo decretará o inicio de outro reveillon.
Queria alcançar novas descobertas sem carregar a idade se multiplicando nas minhas costas. Se isso não é possível, repensar o futuro a cada instante se adequando constantemente, me parece uma excelente saída. Já que rasgar calendários e não usar relógio no pulso são formas inúteis de fuga, tento aconselhar a mim mesmo baseado no que vivi até no último instante. Sempre uso tudo o que a vida esfregou, alisou ou esqueceu bem na minha cara para não errar repetidas vezes. Depois que percebi a importância de ter o que contar quando meus conselhos forem mais úteis do que minha força física, me arrisquei ao ponto de ter marcas visiveis e invisiveis espalhadas pelo meu corpo... algumas me dão orgulho, outras nem a minha velhice conseguirá explicar: certas dores e alegrias só nossa mente consegue decodificar.
O gosto do champange barato, o beijo de quem você ama acalmando seu espirito e as pessoas queridas ao seu redor só adicionam doses de esperança no primeiro dia do ano. Mesmo que nada se realize e que o cotidiano complicado acirre seus nervos por mais trezentos e poucos dias, a esperteza está em descobrir uma pontinha de orgulho em permanecer respirando nesse mundo, por vezes, injusto. Há muito aprendi que acima de qualquer vontade, nada poderá levar nossas lembranças embora. Algumas recordações boas ou más, sempre vão nos fazer companhia... portanto, conciliar prazer e culpa é o caminho.
(Tive trabalho para escrever esse post, acho que nossa força não está em datas, está dentro daquilo em que colocamos nossa fé.)