quarta-feira, dezembro 31, 2003




Há bem menos de uma semana vou ver dois mil e três ser transformado em passado recente. Com certeza, daria todo meu ouro para não dizer adeus aos tempos que se foram. Eu talvez desse o céu a quem me cochichasse algum meio de não ver os dias serem levados pela chuva ou deixados pra trás como essas árvores na beira da estrada... quero parar esse tempo louco por um instante ou fechar meus olhos e esquecer que o anoitecer dessa quarta não sera nada parecido com o próximo, mesmo que eu use mais uma vez as meias sujas.

Não há saída desse tempo acelerado, e que saída haveria para todos nós? Acho que nosso maior castigo é ter que aceitar os dias irem embora sem se despedir, justo quando fazemos uma grande festa pra ele. Ficamos velhos a cada segundo, alguém que voce viu passando na rua pode ter se casado e mudado de rotina, outro verão já chegou e nossa mente não lembra de alguns detalhes das últimas férias. Você não sente isso? Você não sente nossos dias correrem tão rápido como o vento que avisa o temporal por vir?. É o livrinho de ciências martelando minha mente: "os seres vivos nascem, crescem, se reproduzem e morrem".

No ultimo dia do ano, rituais de passagem tendem a se multiplicar. As velhas manias de fazer promessas loucas, de pular ondas a beira mar e usar roupas brancas são pequenas superstições criadas só pra alimentar desejos que somente nossas mãos podem cumprir. Como se lentilhas da sorte nos trouxesse mais paz ou uma amante parisiense sem defeitos. Entre tantos motivos, acredito que a celebração do ano-novo confirma que todos nós usamos os festejos como mascara para o tempo que tão logo decretará o inicio de outro reveillon.

Queria alcançar novas descobertas sem carregar a idade se multiplicando nas minhas costas. Se isso não é possível, repensar o futuro a cada instante se adequando constantemente, me parece uma excelente saída. Já que rasgar calendários e não usar relógio no pulso são formas inúteis de fuga, tento aconselhar a mim mesmo baseado no que vivi até no último instante. Sempre uso tudo o que a vida esfregou, alisou ou esqueceu bem na minha cara para não errar repetidas vezes. Depois que percebi a importância de ter o que contar quando meus conselhos forem mais úteis do que minha força física, me arrisquei ao ponto de ter marcas visiveis e invisiveis espalhadas pelo meu corpo... algumas me dão orgulho, outras nem a minha velhice conseguirá explicar: certas dores e alegrias só nossa mente consegue decodificar.

O gosto do champange barato, o beijo de quem você ama acalmando seu espirito e as pessoas queridas ao seu redor só adicionam doses de esperança no primeiro dia do ano. Mesmo que nada se realize e que o cotidiano complicado acirre seus nervos por mais trezentos e poucos dias, a esperteza está em descobrir uma pontinha de orgulho em permanecer respirando nesse mundo, por vezes, injusto. Há muito aprendi que acima de qualquer vontade, nada poderá levar nossas lembranças embora. Algumas recordações boas ou más, sempre vão nos fazer companhia... portanto, conciliar prazer e culpa é o caminho.


(Tive trabalho para escrever esse post, acho que nossa força não está em datas, está dentro daquilo em que colocamos nossa fé.)

domingo, dezembro 28, 2003


um cílio na lente de contato não incomoda... o dia foi ótimo


domingo, dezembro 21, 2003


t h e   e g o   h a s   a   n a m e.




quarta-feira, dezembro 17, 2003


são paulo revisited



Ver a extensão de nossos desejos como realidade cotidiana é realmente maravilhoso. É quando aquele dia que sempre imaginamos, recheado de situações inusitadas e um bom happy-end, nos aparece sem efeitos especiais. Vivendo cada dia como um recomeço feliz, enfim coloquei meus pés num país chamado São Paulo. Onde há novidade em tudo, uma grande movimentação de carros, e muita, muita gente normal e ao mesmo tempo estranha passando bem perto dos meus ombros. Aqui a vida parece viver em ciclos, mas que no fundo você realmente sabe que nada pode ser igual... a terra da garoa é uma cidade de detalhes. Ser paulistano é conhece-lôs sem muito espanto.

Por entre arranha-céus e cruzando ruas enormes, qualquer um poderia me ver andando calmamente se estivesse na Av. Paulista no domingo pela noite. Sentir-se dentro de um cartão postal é momento único, todo aquele concreto armado querendo te abraçar, o brilho eletrico dos anúncios e as gotas espaçadas de chuva que caem sobre um casal caminhando são componentes da minha pintura imaginaria. No anoitecer sem estrelas percebo minha mão quente envolvida por outra, diante de um vento frio que nos acompanha até a entrada do metrô. Estávamos na Estação Trianon-Masp... poderíamos estar em Paris ou em Tokio, tíquetes do metro podem ser parecidos, beijos sob a chuva sempre tendem a ser diferentes.

No livro que tenho lido, há um trecho em especial sobre como não somos os mesmos com o passar dos segundos. Não se trata de perda de personalidade, mas de como nossa mente trabalhasse constantemente em busca de adaptação. Alguns dias depois de terminar esse capitulo, caminhando numa rua paralela vi a citação "a vida não tem undo" gravada na cerca de metal que protege uma muda de árvore. Sem forçar coincidências, essas duas estradas de questionamentos têm sido meus guias ultimamente. Para mim, acreditar mesmo que nossa evolução não veio através do macaco, mas dos dias que deixamos para trás é aprender muito com a vida que levamos. Encarar que todo nosso sofrimento ou alegria não pode ser apagado por um comando de software nem editado posteriormente te faz refletir naquela atitude sem pensar que talvez voce tomaria amanhã.

Os cinco dias na capital foram exatamente como os dias devem ser: inesquecíveis. A companhia de outras duas pessoas extremamente agradáveis, gente inteligente da melhor espécie e que provoca saudade súbita segundos após a despedida, ajudou em parcelas onerosas. Já me contaram que a gente não faz amigos mas reconhece-os... frase perfeita, situação ideal.

Na maior cidade da america latina eu não estava sozinho, não dessa vez.


terça-feira, dezembro 09, 2003


ash wednesday

Quarta-feira de Cinzas - Ethan Hawke; tradução Alice Xavier - Rio de Janeiro : Ediouro, 2003


Acho que estar em uma livraria é estar fora do mundo real. Na verdade eu acho que é estar num único mundo onde os livros são como formas universais de vida, que podem habitar qualquer lugar. Ah, tudo isso sempre desperta uma curiosidade enorme. Numa tarde passeando no shopping de Taubaté, escolher alguns minutos para ver livros é me transformar num daqueles bobos, facilmente convencidos por uma capa. O livro pode ser horrível, não ser de ninguém conhecido. Posso até mesmo ouvir conselhos negativos sobre a compra que não me fará desistir. Se a capa me encantar... é um exemplar a menos no estoque. Por sorte nunca me arrependi, sempre adoto o livro como um filho após ter pago por ele. Aqueles realmente difícieis de engolir eu encaro como simples bastardos...

Quarta-feira de Cinzas - Existe algo mais assustador do que estar apaixonado?. Esse é o ultimo romance que comprei. Exemplar único na loja, tradução e lançamento recente. Lá estava ele, lacrado em uma prateleira quando eu o encontrei. Na última tarde li mais de 90 páginas sem parar. A linguagem coloquial incomoda pela tradução por vezes crua, mas ajuda a compreender mais rápido. Os temas são nossos, e não foi dificil me encontrar nos espaço das letras serifadas... pequenas perguntas soltas na mente que julgamos sem sentido, traumas e conflitos são superexpostos nesse livro. Como nosso mundinho pode virar de cabeça pra baixo a partir de decisões que assumimos, bem como o medo do futuro e das consequências não ficaram de fora do romance. A cada folha que se vai, observar o peso das atitudes dos protagonistas é como se pudessemos ler nossa propria mente em capitulos.

Do autor desconhecido e famoso ator Ethan Hawke, "Quarta-feira de Cinzas" é pra ler sem dicionários na mão, sem precisar entender doses de ironia complexa, nem alusões a grandes acontecimentos da história. Uma vez achei que os classicos da literatura seriam uma boa companhia pra alguém sozinho num banco. Por agora, distante de Shakespeare e Camus, espero terminar as 278 páginas com a certeza que não joguei meu tempo fora.

quarta-feira, dezembro 03, 2003


distante (some days are better than others)

na varanda de um flat em Ubatuba...


Descendo num carro em primeira e segunda marcha entre curvas estreitas e tempo inconstante enfim voltei a sentir o gosto do mar nos meus lábios. Conheci Ubatuba no ultimo final de semana e lá existem montanhas verdes que cercam todos os lugares... as ruas ainda estão tranquilas de gente e a enxurrada só vem através das enormes ondas que chutam meu rosto. Para um turista sentado numa cadeira de praia é dificil acreditar num sol que divide espaço com blocos de neblina no pico das serras. A crença passa a existir quando descobri marcas vermelhas no meu corpo. Eu era um baiano em tons de rosa e vermelho-sangue em pleno litoral paulista, e as marcas mais vermelhas nas pernas eram sinais que mosquitos danados adoraram meu sangue... viver tem dessas coisas.

Em sonhos construídos na praia paulista, vi sorrisos soltos no meio do nada. Não tive ninguém pra me contar uma explicação, ou me extorquir dinheiro e toscamente interpretar meus sonhos num passe de mágica. Preferi então pensar na felicidade dos meus amigos queridos, nos dias que ainda quero viver, no meu chiclete de menta que só agora - longe de casa - lembrei onde deixei. Já acordado, quis relembrar os ultimos dias correndo nos quatro cantos de Salvador, de como a gasolina do meu carro acabou em plena avenida e eu perdi o avião pra São Paulo. Lembrei até dos 25 doláres (docemente convertidos em Reais) que desembolsei pra entrar no vôo seguinte... estar em paz é dar risada por qualquer coisa, mesmo quando se está morrendo de medo e tenta disfarçar lendo qualquer porcaria publicitária no avião.

De longe e em forma de prece, espero que todos estejam bem e acumulando muitas histórias pra contar. Com a alma solta escrevo daqui sem pressa, talvez porque escrever está dentro de mim, numa prisão mental que o carcereiro sem querer perdeu a chave. Talvez porque usar as palavras que aprendi seja a saída que a minha louca realidade insiste em usar pra se manter viva, mesmo longe de casa.